Família
Paniago: desbravadora dos sertões
do
Brasil Central
DANIEL ALVES[1]
“Laudemus viros gloriosos, et parentes
nostros in generatione sua” é a primeira frase apresentada no capítulo 44 do Livro
do Eclesiástico, escrito pelo mestre de sabedoria judeu Ben
Sirá no século II a.C. Em tradução
simplificada do latim, poderíamos assim entender: “Façamos o elogio dos homens ilustres, nossos antepassados através das
gerações”. Creio que unido aos sentimentos do autor bíblico surge o
primeiro encontro da Família Paniago, para reverenciar os antepassados e
brindar a vida dos familiares presentes.
Sempre
fui curioso e atento as histórias e estórias contadas em família, sobretudo, as
relatadas por minha avó materna Benedita de Fátima Rezende (1943-2012). A prosa
convergia em torno dos Rezende e afins, mas, em um belo dia ouvi pela primeira
vez o sobrenome Paniago, quando ela contou que em sua terra natal - Uberlândia
- havia um primo de segundo grau chamado Antônio Paniago. A partir dali, o
inusitado sobrenome jamais sairia de minha mente.
Em
visita a Uberlândia no ano de 2009, conheci o primo Waltecir Cardoso - neto de
Miguel José Paniago - que interessado pela história da família e instigado por
seu irmão Altair, escreveu o livro “Entre
Parentes – Memória e Genealogia”. Rapidamente o li e o analisei,
compreendendo a genealogia exposta e suas ligações. No entanto, todo bom autor
tem seus padecimentos, ainda mais quando deseja provar algo que seja carente de
comprovação documental. Assim, por mais que haja sólidas evidências, o fato
permanece no campo da hipótese.
Na
mesma semana marchei para a Catedral Santa Terezinha em busca de registros nos
antigos livros paroquiais, após folhear minuciosamente páginas e páginas
amareladas pelo tempo, um precioso registro apareceu. Em 27 de julho de 1875,
na antiga Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo em Uberlândia casaram-se meus
tetravôs Dâmaso Ferreira da Fonseca e Mariana Luciana de Rezende. Ao ler a
filiação dos cônjuges, fiquei estupefato, pois, minha tetravó Mariana (1853-1918)
era filha de Antônio Joaquim Paniago e Anna Maria de Rezende.
Por
meio do mesmo esquema descobri que outra tetravó, Maria Magdalena de Jesus
(1858-1922), era a filha caçula de Antônio Joaquim e Anna Maria. Assim,
irrevogavelmente o sangue dos Paniago corria em minhas veias. Mas, afinal de
contas, quem era esse casal? Provavelmente de origem espanhola, Antônio Joaquim
Paniago chegou ao Brasil na primeira metade do século XIX e estabeleceu moradia
na antiga Aldeia de Sant’Ana do Rio das Velhas, hoje Indianópolis (MG).
Já
a mineira Anna Maria de Rezende era filha de Manoel Machado Rodrigues e Mariana
Alves Rabello, que morrera antes da filha completar dois anos de idade. Coube
sua criação a avó materna Luciana Alves de Rezende, que lhe deu o sobrenome.
Aos dezesseis anos casou-se com Antônio Joaquim Paniago, com quem teve onze
filhos, a saber: Antônio José Paniago, José Joaquim Paniago, Manoel Joaquim
Paniago, João José Paniago, Bento José Paniago, Francisco Paniago, Anna Luciana
de Rezende, Maria Rosa de Rezende, Maria Joana de Rezende, Mariana Luciana de
Rezende e Maria Magdalena de Jesus. Como se nota, os homens herdaram o
sobrenome do pai, enquanto as mulheres o da mãe.
O
primeiro filho do casal, Antônio José, nasceu em janeiro de 1840 e foi batizado
na Igreja Matriz da Aldeia de Sant’Ana a 19 do mesmo mês. Foram padrinhos o avô
Manoel Machado Rodrigues e a bisavó Luciana Alves de Rezende, conforme se
atesta no registro. Com os irmãos formou-se na lida diária da roça, na lavoura
e na criação de animais, porém, o pai, lhe ensinaria algo mais, o ofício de
carpinteiro, que o levaria mais tarde a fabricar carros de boi. Outro grande
legado deixado aos filhos do casal foi à alfabetização, coisa rara na população
rural do século XIX. Embora, a mãe Anna Maria fosse analfabeta, sua família
possuía muitos letrados, o que certamente influenciou no aprendizado dos
filhos.
Sábado,
2 de outubro de 1858. Uma triste notícia se abateu na Fazenda do Rio Claro,
local de residência dos Rezende, Rabello e Paniago. O patriarca Antônio Joaquim
Paniago faleceu deixando Anna Maria viúva aos 36 anos com onze filhos para
criar. Antônio, o mais velho já contava com 19 anos e a caçula Maria Magdalena
com apenas seis meses. Jovem maduro, trabalhador e conhecedor das coisas, emancipou-se
por decisão do juiz de órfãos de Uberaba, que também o nomeou tutor dos irmãos
menores.
A
ele cabia a administração de suas heranças até que alcançassem a maioridade,
naquela época, obtida aos 21 anos. Assim, Antônio tornou-se o esteio da mãe, ajudando-a
nos negócios da fazenda e na formação dos irmãos menores, que se debruçavam no
trabalho. Eram 104 alqueires na Fazenda do Rio Claro e em torno de 24 alqueires
repartidos entre as fazendas Rocinha, Registro, Macaúba e Taquaral. A maior
parte adquirida por herança da família de Anna Maria e o restante por compras
que Antônio Joaquim fizera.
O
tutor cuidava também dos interesses de seus irmãos e lhes arrumava casamento,
não antes de pagar uma taxa ao Estado, que expedia a devida licença. Com isso os
irmãos menores eram emancipados e podiam receber suas heranças (homens), já às
das mulheres eram repassadas a administração dos maridos, assemelhando-se a um
dote. Nesta altura, Antônio José também encontrou sua companheira, Maria
Cândida de Jesus, que pertencia à família Martins Veloso e, para homenagear o
pai falecido, passou a assinar o mesmo nome, Antônio Joaquim Paniago.
Os
primeiros filhos nasceram em São Pedro de Uberabinha, hoje Uberlândia-MG, porém, o
futuro estava reservado bem distante dali. Após o final da Guerra do Paraguai
em 1870, propagandeou-se no Triângulo Mineiro sobre as facilidades de adquirir
enormes quinhões de terras devolutas nos sertões mato-grossenses ou no Sudoeste
Goiano. Assim, chegaram os Cândido de Rezende a região de Terenos em 1871, os
Lino de Rezende a região de Anhanduí, Campo Grande em 1875 e também alguns
membros da família Carrijo.
Esporadicamente,
chegavam a Minas, notícias da então Província do Mato Grosso, que incutiam em Antônio o
desejo de seguir o rastro dos parentes e desbravar aquelas terras. Em
Uberabinha nada mais o prendia, todos os irmãos estavam casados, com exceção da
caçula que estava no convívio da mãe e do padrasto, Manoel Adriano da
Silva. Assim, o aventureiro com a esposa
Maria Cândida e os filhos pequenos despediram-se de todos e partiram em carro
de boi pela velha estrada em direção ao Mato Grosso.
Depois
de percorrer aproximadamente 400 quilômetros, chegaram a Vila de Sant’Ana do
Paranaíba, cujo território era disputado pelas províncias de Mato Grosso e
Goiás. Descansaram por uns dias e pediram informações para seguir a jornada.
Com o carro na estrada bateram para a região do Rio Verde e se estabeleceram na
margem direita deste, cujo território pertencia à época, ao extenso município
de Nioaque. O arraial mais próximo dali distava 180 quilômetros e possuía
algumas choupanas dispersas e um comércio tímido. Era Campo Grande, que mais
tarde, em 1889, tornar-se-ia distrito de Nioaque e dez anos depois, município
autônomo.
Da
Fazenda Rio Verde - também chamada de Velha - localizada hoje no município de
Ribas do Rio Pardo (MS), nasceria à frondosa árvore dos Paniago, cujos galhos e
ramos se estenderiam pelos atuais estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Ali, em meados de 1880, Antônio Joaquim Paniago Filho começou sua vida nova,
derrubando matas para o plantio e a criação de gado, para isso, teve que
enfrentar feras e índios bravios. Mas, o que lhe faria mais conhecido em toda a
região seria o ofício artesanal que o pai lhe ensinara, o de fabricar carros de
boi. Em pouco tempo seus carros tornaram-se afamados e inúmeros fazendeiros dos
sertões do antigo Mato Grosso vinham lhe fazer encomendas. Enquanto, ele se
entretinha com a confecção dos carros, os filhos ficavam por conta da lida da
fazenda.
Na
nova terra, Antônio Joaquim e Maria Cândida teriam mais filhos, onze ao todo,
alguns eram mineiros e outros mato-grossenses. Sendo eles: Rosalina Maria de
Rezende (1865), Antônio Martins Paniago (1866), José Martins Paniago (1872),
Elias Martins Paniago, Manoel Martins Paniago, Bento Martins Paniago, Deolinda Maria,
Cândida Maria (1881), Genoveva Maria, Maria Jesuína e Lucinda Maria de Rezende. A infância trazia poucas
diferenças da vida adulta, pois, aprendia-se desde cedo a apartar o gado, a
moer cana no engenho e a capinar, dentre outros. Em alguns anos, os filhos já
estavam crescidos e na “idade de casar” e o que os pais decidissem, estava
irremediavelmente decidido, pois, os casamentos eram arranjados. Restava então,
marcar a cerimônia na Igreja ou esperar o padre em dia de desobriga.
De
acordo com as fontes acessadas, dentre elas, o livro Família Augusto Paniago Nogueira, publicado pelo primo João Batista
Nogueira em 2010, tentamos expor o caminho seguido pelos filhos do casal
patriarca. Rosalina Maria de Rezende (1), a mais velha, casou-se com o mineiro
Pedro Martins Pereira, fazendeiro do Alto Sucuriú com quem teve os filhos Maria
Izabel, Manoel, José e Clemente Raimundo Pereira. Viúva, em 1896, une-se a Luiz
Gonzaga Nogueira, também viúvo e morador da região do Rio Sucuriú, com o qual
teve os filhos Augusto, Sebastião e Genoveva Nogueira. Casou-se novamente, em
1908, com João Maciel do Carmo e teve as filhas Angelina e Maria Olinda. Em
1935, falece Rosalina deixando grande descendência.
Aos
19 de outubro de 1866, nascia em São Pedro de Uberabinha (hoje Uberlândia-MG) Antônio
Martins Paniago (2) que em 09 de novembro seguinte seria batizado na antiga
Matriz de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião. O registro traz um detalhe
interessante, pois, o sobrenome Paniago é apresentado sob a forma espanhola
Paniagua. Criado nas terras sul-mato-grossenses casou-se primeiramente com
Josefa Joaquina de Menezes, com quem teve os filhos Manoel Martins Sobrinho,
casado com Guilhermina Garcia Martins; Emília Paniago, casada com Epaminondas
Cândido; José Martins Sobrinho (Zeca Sobrinho); Francisco Martins Paniago; Maria
Martins Paniago e Belmira Paniago. Viúvo, Antônio casou-se com Teresa Delfina
de Jesus e tiveram os filhos João, Bertolino, Friciano, Josefa, Flausina,
Rosário e Doralina, falecendo bastante idoso em fins da década de 1940.
Em
sequência aos filhos de Antônio Joaquim e Maria Cândida, temos Maria Paniago (3) que no entender do
escritor José Corrêa Barbosa, chamava-se Jesuína. Divergências do nome a parte,
ela casou-se com Manoel Rodrigues Ferreira (Nina), com quem teve os filhos
Josefa, Maria Feliciana, Maria Belonísia, Antônio, José, Manoel, Heliodoro,
Elias, Francisco, Domingos, Onofre, Genésio e Álvaro, todos de assinatura
Rodrigues Ferreira. Já, José Martins
Paniago (4), nasceu em 20 de agosto de 1872 em Uberabinha, onde foi
batizado. Com Maria Abadia Dias, filha de Luiz Gonzaga Nogueira e Maria
Joaquina Dias casou-se, deixando os filhos Antônio, Belmira, Bertolino, Jovina,
Severo, dentre outros, que levavam os sobrenomes Dias Paniago. No ano de 1922,
faleceu José em sua fazenda, próxima ao Rio Verde.
Elias Martins Paniago (5) casou-se
com sua sobrinha Maria Izabel, filha de Pedro Martins Pereira e Rosalina Maria
de Rezende. Ao que se sabe, tiveram os filhos Camilo, Jacinto, Manoel, Olívia,
Lourdes, Doralina e Targino. Em fotografia do ano de 1911, o casal e um filho
pequeno aparecem vestidos elegantemente, no colete de Elias observa-se até
mesmo um relógio de bolso, objeto caríssimo naquela época. Manoel Martins Paniago (6) casou-se com Deolinda de Rezende,
homônima de sua irmã e se estabeleceu na região de Mineiros (GO). O casal
deixou ao menos os filhos Alvina, Elias, Antônio, Delminda, Aristino, Genoveva,
Maria Sebastiana, Maria Benedita, Maria Rita e Ibrantina, estas três últimas,
religiosas da Congregação Salesiana. De um modo geral, os descendentes de
Manoel e Deolinda concentram-se nas regiões de Mineiros, Santa Rita do Araguaia
e Alto Araguaia.
Por
sua vez, Deolinda Maria de Rezende (7) e Lucinda Maria de Rezende (8)
casaram-se com dois irmãos, respectivamente, José Luiz Nogueira e João Luiz
Nogueira. Estes eram filhos de Luiz Gonzaga Nogueira e sua primeira esposa
Maria Joaquina Dias. Deolinda faleceu em 1924 e Lucinda em 1945, deixando vasta
descendência. Cândida Paniago (9)
era casada com Luiz Cândido Pereira, cujos filhos desconhecemos. Por último, temos
Genoveva (10) e Bento (11), falecidos provavelmente na infância.
Pouco
depois do estabelecimento de Antônio Joaquim Paniago na Fazenda Rio Verde,
chega à região seu irmão Bento José Paniago e família, que adquire a Fazenda Estiva,
uma propriedade de 5000 mil hectares. Onde com sua esposa Maria Rita de Cássia
cria nove filhos. Com a morte desta em 1892 e também devido a querelas
familiares, vendeu a propriedade e seguiu para a região de Coxim. Em Jataí
(GO), casou-se no ano de 1893, com Amélia Basília de Jesus, tendo mais quinze
filhos. Não tardou para que Bento se tornasse um fazendeiro rico e bem sucedido,
em sua fazenda de Jataí, além da lavoura e criação de gado, possuía três
empreendimentos, sendo um engenho de açúcar, um engenho de serra e uma olaria.
Enquanto que, na fazenda de Coxim, dedicava-se especificamente à criação de
gado, assim, dividia-se entre os dois locais. Em torno dos 60 anos de idade,
morreu Bento José Paniago na cidade de Jataí em 1915, deixando os filhos Antônio,
Joaquim, Maria, Zeferino, Luiz, Francisco, José, João e Virgilina da primeira
união. Além de Pedro, Custódio, Belmiro, Sebastião, Manoel, Basílio, Maria,
Sebastiana, Laurinda, Luiza, Idalina, Etelvina, Laudelina, Jesuína e Lídia do
segundo enlace.
O
fato é que ao sair do Triângulo Mineiro para desbravar as terras do antigo Mato
Grosso em fins do século XIX, os pioneiros da família Paniago edificaram uma
progênie numerosa e abençoada, que tem no trabalho árduo uma das suas maiores
marcas. Então, nada mais justo do que rememorarmos a história de nossa família,
cuja árvore se destaca pelos bons frutos.
CARDOSO, Waltecir José. Entre Parentes: História e Genealogia. Uberlândia: Composer, 2005.
CUNHA, Marlei. Costa Rica: História e Genealogia. 2ª Ed. Costa Rica: Editora Caiapó, 2009.
NOGUEIRA, João Batista. Família Augusto Paniago Nogueira. Brasília: Duo Design, 2010.
Arquivo Público de Uberaba – Documentação do Poder Judiciário, varas cíveis.
Arquivo da Diocese de Uberlândia – Livros de registros paroquiais de Indianópolis e Uberlândia.
Documentos do acervo particular do autor.
Artigo publicado na Revista Comemorativa da Família Cândido e Paniago, lançada em 6 de setembro de 2018 no I Encontro da Família em Paraíso das Águas - MS.
Editorial: Marlei Cunha; Arte e diagramação: Terena Cunha; Pesquisadores e redatores: Daniel Alves Rezende, João Batista Nogueira, Marlei Cunha, Ronildo Garcia e Waltecir Cardoso.
[1] Nasceu na
cidade de Anápolis (GO) no ano de 1990. É graduado em História pela
Universidade Estadual de Goiás (UEG) e Pós-Graduado em Docência Universitária
pela Faculdade Católica de Anápolis. Em
2014, publicou seu primeiro livro: De Antas a Anápolis – a História de formação
do Município” e editou em 2016, o livro-álbum “Diocese de Anápolis – 50 Anos”.
Desde o ano de 2008, dedica-se as pesquisas genealógicas no intuito de
aprofundar sobre a história familiar. É pentaneto de Antônio Joaquim Paniago e
Anna Maria de Rezende.