Desde o ano de 2008, venho
pesquisando continuamente sobre as famílias Paniago, Rezende, Pereira e Carrijo,
ambas oriundas do Triângulo Mineiro e interligadas entre si, por conta de
inúmeros casamentos numa relação de quase 200 anos. Já na infância ouvia de
minha avó materna, Benedita de Fátima Rezende (1943-2012) e outros familiares,
'estórias' e mais histórias sobre a família. Sobretudo, dos que moravam em
Uberlândia e dos outros que vieram para Goiás.
Também ouvia muitas histórias que
pareciam lendárias, fascinantes e as vezes tristes, como índias pegas a laço em Araxá e
feitas de esposas; escravos que não foram embora das fazendas quando houve a
abolição da escravatura pela Regente Princesa Isabel em 1888. De
estrangeiros que haviam se mudado para os grotões do Brasil, isto é, para o
Sertão da Farinha Podre, até então um mero local de passagem entre as
Províncias de São Paulo e Goiás, caminho esse remanescente da antiga
estrada chamada “Picada de Goyaz” ou “Picada do Anhanguera”, pois, tinha sido
aberta por Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera em busca das minas de ouro
dos índios Goyazes (guaiases).
O Triângulo Mineiro do século XIX
não era muito diferente do século anterior, pois, quando o sertanista e
pioneiro João Pereira da Rocha[1]
chegou à região compreendida entre os rios Araguari (das Velhas) e Uberabinha em
1818, esse território era formado por poucas fazendas e ainda com muitas terras
devolutas. As povoações existentes no Triângulo talvez não fossem mais do que
Uberaba, até então um pequeno arraial com pouco mais de uma dúzia de casas e
uma pequena igreja dedicada a Santo Antônio; Desemboque, um antigo julgado da
Capitania de Goiás; Araxá, também se constituía nessa época como um julgado;
Aldeia de Sant’Ana do Rio das Velhas, hoje Indianópolis, fundada por padres
jesuítas em meados do século XVIII; Patrocínio, também um arraial ínfimo e por fim muitos índios das nações Caiapó e Bororô. Cidades como Sacramento, Araguari, Ituiutaba, Estrela do Sul, Prata, vieram a surgir alguns lustros depois.
Quando os Pereira chegaram ao
atual território de Uberlândia, pouquíssimas famílias estavam radicadas na
região e entre elas havia uma predominância de mineiros que procuravam novas
terras para ocupar. Após uma década de estabelecimento dos Pereira, que ocasionou na
fundação da Fazenda São Francisco de Assis, chegaram de Campo Belo os irmãos
Carrejo, Luiz, Francisco, Felisberto e Antônio Alves Carrejo (Carrijo) com seus
respectivos familiares. Na verdade, a historiografia uberlandense não trabalha
de forma mais profunda sobre essa chegada, e dá a ela, motivações não muito
esclarecidas, as quais entraremos em detalhes no livro que estamos produzindo.
Através de documentos históricos e inéditos
encontrados em nossa pesquisa, descobrimos que os Pereira/Rezende e os Carrijo
são aparentados e procedem de um ancestral comum. Assim, o pai dos irmãos
Carrejo, José Alves Carrejo nascido na atual cidade de Itabirito em 1752 era
irmão de Quitéria Maria da Conceição, casada com Caetano de Souza Rezende, sendo estes pais de Genoveva Alves de Rezende, esposa de Pereira da Rocha. Desse modo, os
irmãos Luiz, Francisco, Felisberto e Antônio Alves Carrejo eram primos de
primeiro grau de Genoveva e de seus irmãos José e Caetano Alves de Rezende[2].
Os filhos de João e Genoveva foram batizados com os sobrenomes Alves e Pereira,
o primeiro por conta da mãe e o segundo pelo pai. Como vimos, o sobrenome Alves
encontrado nos filhos de João Pereira da Rocha provinha da família Alves
Carrejo, que originalmente em Portugal era Álvares Carrejo, sendo o Alves uma
forma de abreviar aquele sobrenome. Também a segunda esposa de Pereira da
Rocha, dona Francisca Alves Rabello era aparentada dos irmãos Carrejo.
A historiografia uberlandense
afirma que um filho de Pereira da Rocha necessitava de serviços de ferreiro na
Fazenda São Francisco, e que sabendo da existência de bons profissionais desse
ramo em Campo Belo, partiu para lá para buscá-los. Isso pode até ser verdadeiro
no sentido de que realmente precisava-se de um ferreiro, agora o equívoco está
em pensar que os Pereira e os Carrijo se conheceram aí, ledo engano conforme
pudemos atestar em nossa pesquisa. Eles se conheciam há muito tempo e mais do
que isso, eles eram parentes e provavelmente as notícias corriam entre Campo
Belo e o Sertão da Farinha Podre.
O primeiro irmão Carrijo a se
transferir para o Triângulo foi o Luiz, que adquiriu terras de Pereira da Rocha
e outros, depois vieram os demais. Luiz ficou com a parte maior de terras,
porém para equilibrar as partes redividiu sua propriedade, vendendo-as aos
outros irmãos, assim essas quatro glebas ficaram conhecidas: Fazenda Lage, de
Francisco Alves Carrejo; Fazenda Olhos d’Água, de Luiz Alves Carrijo; Fazenda
Marimbondo, de Antônio Alves Carrejo e por último a Fazenda da Tenda, de
Felisberto Alves Carrejo. Entre os irmãos Carrejo, o que mais se destacou foi
Felisberto Alves Carrejo[3]
(1795-1872), que montou em sua fazenda uma tenda de ferreiro, nome pela qual ficou
conhecida, ali também criou uma pequena escola e passou a lecionar para as
crianças da região. Depois, com a ajuda de seu primo segundo, o capitão
Francisco Alves Pereira (1806-1876) e do povo da região, conseguiu edificar em
1846 uma pequena capela em devoção a Nossa Senhora do Carmo em terras que
pertenciam à dona Francisca Alves Rabello, viúva de João Pereira da Rocha.
Felisberto Alves Carrejo |
O local escolhido para essa
construção foi entre os córregos São Pedro e das Galinhas (hoje, Cajubá), que
desaguam no Rio Uberabinha. Em torno dessa ermida foi surgindo então às
primeiras casas, dando formação a um pequeno arraial. Pela
Lei Provincial n.° 602, de 21 de maio de 1852 o povoado passou a Distrito de
Paz com a denominação de São Pedro de Uberabinha pertencente ao Município de
Uberaba e tendo como primeiro Juiz de Paz o próprio Felisberto Carrejo.
Ainda sobre a pequena igreja, a primeira celebração foi realizada pelo padre
José Martins Carrejo, que era vigário colado da Paróquia de Sant’Ana do Rio das
Velhas, hoje Indianópolis.
Primeira Capela de Uberlândia, dedicada a Nossa Senhora do Carmo |
Padre Carrejo era o
segundo filho de Felisberto e aos 15 anos entrou para o Seminário de Santa Cruz
da então Diocese de Goiás, na antiga Vila Boa. Uma vez que, mesmo sendo transferido
para Minas Gerais em 1816 (em matéria político-administrativa), o Triângulo
Mineiro em matéria eclesiástica pertenceu ao Bispado de Goiás até o ano de
1907, quando então foi criada a Diocese de Uberaba, tendo como primeiro bispo
Dom Eduardo Duarte da Silva. Entretanto, padre Carrejo sempre exerceu seu
ministério no Triângulo, por conta da proximidade com a família em Uberabinha.
Sendo assim, foi o primeiro pároco após a restauração da Paróquia de Sant’Ana
de Indianópolis em 1870 e também pároco de Sacramento, São Francisco de Salles,
Nova Ponte, Santa Maria, hoje Miraporanga, vindo a falecer no ano de 1898.
Quanto aos Paniago,
os documentos até agora encontrados apontam que ao saírem da Espanha para o
Brasil, os Paniago se estabeleceram na região goiana entre Catalão e Ipameri.
Por intermédio de nosso amigo e familiar, padre Murah Peixoto Vaz (descendente
dos Peixoto Carrijo) encontrou-se em Ipameri, antiga freguesia do Divino
Espírito Santo do Vaivém um registro matrimonial importante, o qual transcrevemos:
“Aos 18 de Fevereiro de 1851, nesta Matriz do Divino Spirito Santo do Vay vem, pelas dez horas d’amanhã, receberão se Matrimonio os Nubentes Bento Jose Paniago e Claudina Maria Dutra, perante mim, e duas testemunhas os Coroneis Roque Alves de Azevedo e Francisco Ferreira dos Santos, e eu lhes dei as Benções Nupciaes. E para constar faço esse assento que assigno. O Vigrº. Joaquim Ignacio Rodrigues”.
Acreditamos
que, possivelmente o Bento José Paniago supracitado, era irmão de Antônio
Joaquim Paniago, morador no Triângulo e que se casou com Anna Maria de Rezende,
sobrinha-neta de Genoveva Alves de Rezende e de seu marido João Pereira da
Rocha. Pois, Antônio e Anna Maria deram em 1854 ao seu nono filho, o
nome de Bento José Paniago e isso só poderia ser em homenagem ao irmão de Ipameri. Mais tarde, por volta de 1880, o Bento Sobrinho mudou-se de Uberabinha
para o Mato Grosso e depois para Goiás, sendo um grande fazendeiro no município
de Jataí, onde faleceu em 1915, deixando uma distinta e numerosa descendência
no Sudoeste Goiano e no Mato Grosso.
Bento José Paniago Sobrinho (1854-1915), sua segunda esposa Amélia Basília de Jesus e a filha Etelvina |
Ainda em 1875, na
antiga Matriz de Nossa Senhora do Carmo de São Pedro de Uberabinha, Bento (Sobrinho ou de
Jataí) havia se casado com sua parenta, Maria Rita de Cássia, filha de José
Thomaz Peres e Rita de Cássia Alves Pereira. Esta última era a filha caçula de
João Pereira da Rocha e de Genoveva Alves de Rezende e casou-se em primeiras
núpcias com seu parente Manoel Gomes Pereira, deixando da primeira união um
único filho, João Gomes Pereira.
Enfim, não posso
contar mais, porém garanto que essas e outras histórias estarão contidas no
livro que estou escrevendo sobre a origem de Uberlândia, que terá um caráter
histórico-genealógico, revelando a saga das famílias pioneiras que desbravaram
o atual território uberlandense há dois séculos.
Daniel Alves
Rezende
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Historiador -
Daniel Rezende - © 2015 - Todos os direitos reservados
[1] Faleceu em 1845 e foi sepultado
na Aldeia de Sant’Ana dos Rio das Velhas, hoje Indianópolis. O autor deste
texto é hexaneto (sexto neto) de João Pereira da Rocha e de sua primeira esposa
Genoveva Alves de Rezende, perfazendo a seguinte linha de sucessão: João
Pereira da Rocha (+1845) < Rita de Cássia Alves Pereira
(1826-1861) < João Gomes Pereira (*1850) < Thereza
Maria de Jesus (1887-1941) < Maria Ferreira de Rezende
(1917-2008) < Benedita de Fátima Rezende (1943-2012) <
Maria Amélia Teixeira de Araújo (*1967) < Daniel Alves Rezende
(*1990).
[2] Estes irmãos
foram os fundadores da sesmaria que originou a Fazenda Monjolinho em
Uberlândia.
[3] O autor também é hexaneto (sexto
neto) de Felisberto Alves Carrejo e sua esposa Luiza Maria de Jesus (Martins),
perfazendo a seguinte linhagem sucessória: Felisberto Alves Carrejo
(1795-1872) < Francisco Martins Carrejo (*1824) < Elias
Rodrigues Martins (*1859) < Onofre Rodrigues de Rezende
(1884-1966) < Joaquim Rodrigues de Rezende (1911-1976) <
Benedita de Fátima Rezende (1943-2012) < Maria Amélia Teixeira de
Araújo (*1967) < Daniel Alves Rezende (*1990). E ainda
hexaneto de Antônio Alves Carrejo e Maria Eufrazia de Jesus, que eram
pais de Delfina Alves Rodrigues casada com seu primo primeiro, Francisco
Martins Carrejo. Vê-se, portanto, que o autor descende dos mais antigos e
tradicionais troncos familiares de Uberlândia, que são os Carrijo, os Rodrigues
Rabello, os Pereira, os Rezende, os Paniago e os Ferreira da Fonseca.